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A comunicabilidade das quotas e dos rendimentos no regime de comunhão parcial de bens

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Autor do artigo:

WINDERSON JASTER, especialista em Direito de Família e Sucessões, Direito Imobiliário e Direito Aplicado na Escola de Magistratura do Paraná.

1. Introdução

A problemática acerca da divisão de bens no regime de comunhão parcial é um tema que há tempos vem despertando o interesse dos juristas. Apesar de ser um tópico conhecido do direito das famílias e ostentar uma vasta produção doutrinária, o constante desenvolvimento da sociedade contemporânea diariamente nos presenteia com novas situações e probabilidades até então não pensadas ou discutidas.

A questão da comunicabilidade das quotas empresariais é um ponto controvertido, que imbrica o direito das famílias e o direito das empresas e por isso merece uma análise mais detalhada.

O código civil cuidou de tratar do regime jurídico da comunhão parcial de bens:


Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.


Deste artigo denota-se a sistemática acerca da divisão de patrimônio dos cônjuges. Quando se institui o regime de comunhão parcial, cria-se uma espécie de patrimônio comum do casal, chamado de aquesto, formado pelos adquiridos onerosamente após a constância do matrimônio. Desta forma, figuram três grandes massas patrimoniais na relação: (I) patrimônio de um dos cônjuges formado antes do casamento; (II) patrimônio do outro; (III) aquestos.

Os artigos seguintes versam sobre a comunhão e os bens que são excluídos ou incluídos da mesma

Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:

I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;

II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;

III - as obrigações anteriores ao casamento;

IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;

V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;

VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;

VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.

Art. 1.660. Entram na comunhão:

I - os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;

II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;

III - os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;

IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;

V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.

A problemática do presente artigo encontra-se na interpretação sistemática dos art. 1659, I, VI e art. 1660, V quanto à questão das quotas sociais e seus rendimentos.

 

2. Da comunicabilidade das quotas sociais

A comunicabilidade das quotas sociais adquiridas durante o matrimônio foi ponto de pauta durante alguns anos. Parte dos juristas as interpretavam em consonância com o art. 1659, VI, sendo, portanto, excluídas da comunhão. O STJ, todavia, pacificou entendimento no sentido contrário:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE SOBREPARTILHA. PRETENSÃO DE PARTILHAR QUOTAS SOCIAIS DA SOCIEDADE DE ADVOGADOS ENTÃO PERTENCENTES AO VARÃO. POSSIBILIDADE DE DIVISÃO DO CONTEÚDO ECONÔMICO DA PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA (NÃO SE LHE CONFERINDO O DIREITO À DISSOLUÇÃO COMPULSÓRIA DA SOCIEDADE, PARA TAL PROPÓSITO). RECURSO ESPECIAL PROVIDO.3. Ante a inegável expressão econômica das quotas sociais, a compor, por consectário, o patrimônio pessoal de seu titular, estas podem, eventualmente, ser objeto de execução por dívidas pessoais do sócio, bem como de divisão em virtude de separação/divórcio ou falecimento do sócio. (REsp 1531288/RS, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/11/2015, DJe 17/12/2015)

 

Deste julgado, inclusive, extraí-se uma interpretação para outra questão controversa no meio jurídico: as quotas adquiridas anteriormente à constituição do matrimônio. Como detém expressão econômica, hermeneuticamente devem ser equiparadas à categoria de “bens”. Prevalece deste modo a interpretação do art. 1660, I, sendo excluídas da comunhão.

3. A questão dos rendimentos

Os rendimentos das quotas sociais foram outro ponto controvertido desta questão. Havia um aparente conflito entre o art. 1659, VI e o art. 1660, V, pois este garante a inclusão dos frutos dos bens particulares na constância do casamento, enquanto aquele exclui os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge. Para além de toda retórica doutrinária, o STJ pacificou o entendimento no seguinte sentido

MEDIDA CAUTELAR - AGRAVO REGIMENTAL - AGRAVO REGIMENTAL NA MEDIDA CAUTELAR - EXTINÇÃO DA MEDIDA CAUTELAR POR NÃO SE VERIFICAR A PRESENÇA CONCOMITANTE DOS CORRELATOS REQUISITOS.INSURGÊNCIA DOS REQUERENTES. 2. Examinando-se as razões da medida cautelar verifica-se, em sede de juízo perfunctório, que na conclusão do v. acórdão recorrido não se falou em divisão de bens (ações) ou do próprio patrimônio objeto da controvérsia, mas tão somente, se determinou a divisão dos frutos (rendimentos das ações) entre os companheiros, o que, em linha de princípio, está em harmonia com o art. 1.660, V, do Código Civil e a jurisprudência do STJ. Precedentes: AgRg no AREsp 258465/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 24/02/2015; REsp 1349788/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJE de 29/08/2014.(AgRg na MC 24.337/RS, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 15/09/2015, DJe 28/09/2015) 

E quanto à questão do momento em que foram percebidos:


AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL.PARTILHA. COMUNICABILIDADE DE VERBA INDENIZATÓRIA. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 1.658 E 1.659, VI, DO CC.1. No regime de comunhão parcial ou universal de bens, o direito ao recebimento dos proventos não se comunica ao fim do casamento, mas, ao serem tais verbas percebidas por um dos cônjuges na constância do matrimônio, transmudam-se em bem comum, mesmo que não tenham sido utilizadas na aquisição de qualquer bem móvel ou imóvel (arts.1.658 e 1.659, VI, do Código Civil). Precedentes.2. O mesmo raciocínio é aplicado à situação em que o fato gerador dos proventos ocorrer durante a vigência do vínculo conjugal, independentemente do momento em que efetivamente percebidos, tornando-se, assim, suscetíveis de partilha. Tal entendimento decorre da ideia de frutos percipiendos, vale dizer, aqueles que deveriam ter sido colhidos, mas não o foram. Precedentes.(AgRg no AREsp 258.465/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 03/02/2015, DJe 24/02/2015)

Da análise dos acórdãos acima, conclui-se pela comunicabilidade dos rendimentos das quotas na comunhão de bens, qualquer que seja o tempo de sua aquisição.

4. A sociedade limitada

Outro ponto a se destacar, é o que ocorre quando o cônjuge recebe metade das quotas após a separação. O Código Civil é claro quando institui:

Art. 1.027 Os herdeiros do cônjuge de sócio, ou o cônjuge do que se separou judicialmente, não podem exigir desde logo a parte que lhes couber na quota social, mas concorrer à divisão periódica dos lucros, até que se liquide a sociedade.                

O código, todavia, promulgado em 2002, apenas sedimentou o entendimento que o STJ já vinha defendendo desde 2000, como se denota dos julgados abaixo:

CASAMENTO. COMUNHÃO DE BENS.1. No regime da comunhão universal, comunicam-se todos os bens, presentes e futuros dos cônjuges, salvo as hipóteses previstas no artigo 263 do Código Civil.As cotas de sociedade limitada, enquanto representando direito patrimonial de participar dos lucros e da partilha do acerto líquido, em caso de dissolução, integram, em princípio, a comunhão, nada importando que figurem em nome de um dos cônjuges. O que não se comunica é o status de sócio.Falecendo o marido, devem ser trazidas a inventário as cotas que estejam em nome da mulher, só se procedendo à exclusão caso demonstrado que presente alguma das causas que a justifica.(REsp 248.269/RS, Rel. Ministro EDUARDO RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/05/2000, DJ 19/06/2000, p. 146)RECURSO ESPECIAL. SOCIEDADE POR COTAS. DISSOLUÇÃO E LIQUIDAÇÃO.SEPARAÇÃO JUDICIAL. PARTILHA. AFFECTIO SOCIETATIS.1. O cônjuge que recebeu em partilha a metade das cotas sociais tem legitimidade ativa para apurar os seus haveres.(REsp 114.708/MG, Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER, Rel. p/ Acórdão Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/02/2001, DJ 16/04/2001, p. 105)

5. Do aumento do capital social

Outra problemática surge quando se discutem os lucros integralizados ao capital social da empresa. Para compreensão da lógica aplicada, faz-se necessário uma breve explanação acerca das formas de se aumentar o capital social de uma empresa. O Código Civil assim dispõe:

Art. 1.081. Ressalvado o disposto em lei especial, integralizadas as quotas, pode ser o capital aumentado, com a correspondente modificação do contrato.

Ressalta-se, assim, a possibilidade de aumento do capital social, desde que as quotas estejam plenamente integralizadas. Este aumento, via de regra, pode ocorrer de três formas: a primeira é pela subscrição de novas ações, caso em que a empresa emite novas ações que são vendidas, preferencialmente aos sócios, e, na negativa destes, aos demais interessados; a segunda se faz pela incorporação de reservas, quando parte dos lucros gerados ou parte da reserva oriunda de resultado positivo é capitalizada, fazendo com que a empresa emita novas quotas e as distribua aos sócios sem ônus algum; por fim, há a possibilidade de aumentar-se o valor nominal das quotas já existentes, sem alteração de seu número total.

Quanto à comunicabilidade das quotas adquiridas pelas duas primeiras formas, o entendimento é pacificado no sentido de serem comunicáveis, haja vista que constituem bens dotados de expressão econômica, conforme discutido acima.

A comunicabilidade das quotas valorizadas pela terceira forma de se aumentar o capital social da empresa merece uma atenção especial. Há uma manobra fiscal muito recorrente no meio empresarial, que visa fraudar a constituição da meação e, consequentemente, prejudicar a outra parte do matrimônio. Esta manobra consiste em aplicar os rendimentos das quotas diretamente no capital social da empresa para que estas não se incluam na comunhão, em suposta consonância com o entendimento do STJ:

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E EMPRESARIAL. FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. EXTINÇÃO. REGIME DE BENS. COMUNHÃO PARCIAL. VALORIZAÇÃO DE COTAS SOCIAIS. CAPITALIZAÇÃO. CONTA RESERVA. ART. 1.660, V, DO CÓDIGO CIVIL. CONCEITO DE FRUTO. INCOMPATIBILIDADE. NÃO COMUNICABILIDADE. VALOR. QUOTA. INTEGRALIZAÇÃO DE CAPITAL SOCIAL. DATA DA SEPARAÇÃO DE FATO. SÚMULA Nº 7/STJ. 3. A quantia destinada a futuro aumento de capital não deve ser objeto de partilha em virtude do fim de união estável, pois não está incluída no conceito de fruto, à luz do art. 1.660, inciso V, do Código Civil.(REsp 1595775/AP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/08/2016, DJe 16/08/2016)

Ocorre que o presente acórdão se refere a “quantia” de uma forma genérica e abstrata, compreendendo qualquer valor pecuniário. Também não alude à forma específica pelo qual se fará o aumento de capital, deixando ao intérprete a função da sanar estas lacunas.

A hipótese em questão diz respeito aos rendimentos das quotas (quantia) destinadas a aumentar o valor nominal das quotas, sem posterior emissão (aumento de capital). Antes de prosseguir, todavia, cumpre anotar o entendimento do STJ quanto à valorização patrimonial das quotas decorrentes de fenômenos econômicos:

 RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. REGIME DE BENS. COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. VALORIZAÇÃO DE COTAS SOCIAIS.2. A valorização patrimonial das cotas sociais de sociedade limitada, adquiridas antes do início do período de convivência, decorrente de mero fenômeno econômico, e não do esforço comum dos companheiros, não se comunica. (REsp 1173931/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/10/2013, DJe 28/10/2013)

Ocorre, neste caso, que a valorização se dá por fatores externos à vontade e esforços dos agentes, sendo justo e coerente o entendimento do E. Tribunal.

O caso em questão, todavia, diz respeito à valorização das quotas decorrente da aplicação do rendimento do sócio no capital social da empresa. Desta forma, sendo os lucros comunicáveis, os benefício decorrentes de sua aplicação também o serão. Para proceder à comunhão, há que se mensurar a porcentagem auferida na valorização decorrente de sua aplicação para posterior comunicabilidade.

6. Conclusão

Após esta breve análise jurisprudencial e legislativa, conclui-se que:

a. Não se comunicam as quotas adquiridas anteriormente ao matrimônio, diferentemente das adquiridas durante a sua vigência.

b. Os rendimentos e transmudam-se em bem comum no momento de sua percepção e, portanto, comunicam-se.

c. O cônjuge que receber quotas de determinada sociedade não tem direito equiparado ao sócio originário, mas tampouco ao percentual dos lucros.

d. Comunica-se a valorização das quotas decorrente da aplicação dos lucros do sócios para aumento do capital social da empresa.

 

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